O filme “O Discurso do Rei” (2010) é considerado um marco para a gagueira no mundo. A partir da história do rei da Inglaterra George IV, tão bem interpretada pelo ator Colin Firth, o assunto passou a ser entendido com mais seriedade.
A película retrata com perfeição o sofrimento e o drama vividos por um monarca que durante toda sua vida escondeu o distúrbio na comunicação e, de repente, se viu diante de uma realidade que ele jamais imaginaria passar: expor a sua gagueira. Assim como ele, diversas pessoas que convivem com essa disfluência não se sentem preparados e aptos a assumir e falar abertamente desse inimigo invisível.
No mundo dos esportes, a situação não é diferente. O zagueiro Diego Bispo, ex-Náutico e Santa Cruz, é um exemplo claro. Inicialmente, o jogador havia topado conversar com a reportagem da Folha de Pernambuco a respeito da sua gagueira. No dia da entrevista, voltou atrás. “Analisando direitinho, achamos que ainda não é o momento para Diego falar sobre gagueira. Quem sabe num futuro, quando ele iniciar um tratamento fonoaudiológico”, desculpou-se, por telefone, o irmão do zagueiro.
A negativa em falar desse problema é totalmente compreendida. “A exposição de um jogador com problemas de fala pode ser frustrante para ele, e de alto impacto para o clube. Qualquer distúrbio da comunicação afeta de modo importante a vida das pessoas em geral, e, especialmente, dos jogadores, mais expostos.
Ele pode ser considerado pouco preparado, imaturo, tenso, ansioso... além de outros impactos, dependendo do caso, e que podem gerar baixa autoestima”, explica a fonoaudióloga da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Leny Kyrillos.
Nessas situações, as fonoaudiólogas ouvidas nesta reportagem foram unânimes em afirmar que o mais importante é analisar como o jogador gago está se sentindo naquele momento. “Se ele estiver confortável, preparado e sentindo-se seguro para o que possa vir a acontecer durante a entrevista, tudo bem.
Caso contrário, a recomendação é para que ele evite essa exposição e seja encaminhado para um tratamento específico”, avalia a fonoaudióloga do Santos Futebol Clube, Cida Coelho, reconhecendo que conciliar a gagueira de um atleta com essa exposição na mídia, e a pressão por respostas rápidas, é sempre muito complicada. “É difícil para qualquer pessoa, sobretudo no início.
Com o tempo, as coisas se tornam mais familiares e, portanto, mais fáceis. Quanto mais bem assessorado estiver o atleta, e quanto mais claras forem as informações que se deseja transmitir, melhor”, finalizou.
Timidez
O medo da exposição também faz com que alguns atletas com gagueira utilizem truques para tentar esconder a fala. Ao serem requisitados para entrevistas, muito deles se denominam “tímidos”. Todas as vezes que é chamado para coletiva, o volante do Santa Cruz Chicão utiliza esse artifício.
No clube desde meados de 2011, foram poucas as vezes que o jogador bateu um papo com os jornalistas que cobrem o dia a dia do clube. Em todas as suas falas, a gagueira é notória. A Folha de Pernambuco tentou conversar com o jogador, que não aceitou falar sobre o assunto.
História
Um dos primeiros registros de gagueira no futebol pernambucano foi do ex-jogador Haroldo Praça (foto), do Sport, considerado o herói da primeira vitória do time rubro-negro atuando no Estádio Adelmar da Costa Carvalho (Ilha do Retiro), em 1937. “Quando ele era criança, por conta de problemas emocionais, tinha uma gagueira bastante acentuada.
Com o passar do tempo, papai passou a controlar melhor a disfluência. Porém, sempre que ficava nervoso, a gagueira voltava”, explicou o filho do ex-jogador, Silvio Guimarães, ex-presidente do Sport. Ao contrário do que muita gente imagina, o apelido Haroldo “Fatia” - imortalizado no Frevo nº1 do Recife, de Antônio Maria (“Parece que eu vejo Valfrido Cebola no passo, Haroldo Fatia, Colaço...”) - não tinha relação com a gagueira.
“O fatia não era porque ele fatiava as palavras, mas sim, um apelido da época de remador. De tão magro, parecia uma fatia”, revelou Guimarães. Depois de aposentado dos gramados, Haroldo Praça virou escritor e jornalista. Na crônica esportiva, trabalhou no Diario de Pernambuco, Diário do Norte, Folha da Manhã e na Rádio Jornal. Em 2001, a sala de Imprensa do clube leonino foi batizada com o seu nome.
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